A fé no prato e os pecados no bolso: o falso sacrifício da Sexta-Feira Santa

Enquanto muitos evitam carne por tradição, continuam digerindo atitudes que contrariam os verdadeiros valores da fé.

PUBLICIDADE

A tradição de não comer carne na Sexta-Feira Santa é uma das mais conhecidas no calendário cristão. Herdada da doutrina católica, a prática remonta à ideia de penitência e respeito à morte de Jesus Cristo.

A carne vermelha, por simbolizar o corpo e o sangue, seria um alimento “nobre demais” para um dia de recolhimento e luto. Em vez disso, os fiéis são incentivados a comer peixe ou fazer jejum. Até aí, tudo bem. O problema começa quando essa abstinência vira um espetáculo de hipocrisia coletiva.

Tradição sem reflexão

Milhões de brasileiros, muitos sem sequer frequentar a igreja, correm para comprar tilápia, bacalhau e camarão como se fosse um sacrifício espiritual digno de canonização. Ignoram que o real significado da data está na introspecção, no arrependimento, na tentativa de ser alguém melhor. Não comer carne virou um ritual vazio, um gesto mecânico que substitui uma reflexão sincera.

E vamos ser francos: deixar de comer carne por um dia e se empanturrar de frutos do mar caros, como se fosse uma ceia de Ano Novo, está mais para ostentação gourmet do que para penitência. Onde está o sacrifício nisso?

A carne que se evita… e as atitudes que se ignoram

É curioso observar como algumas pessoas se apegam com fervor a esse costume enquanto, no resto do ano, cometem atos muito mais graves do que comer um pedaço de picanha na sexta-feira. Fofocas, traições, corrupções pequenas e grandes, mentiras convenientes, desrespeito com o próximo, falta de empatia… tudo isso passa batido. Mas comer carne no dia “errado”? Isso, sim, vira pecado capital.

Não comer carne virou um símbolo de “fé de fachada”, onde o gesto externo tenta compensar a ausência de coerência ética no cotidiano. É a tentativa de parecer espiritual sem precisar mudar de verdade. A religião, nesse contexto, deixa de ser um caminho de autoconhecimento e transformação e vira um checklist moral: “Não comi carne na sexta, estou em paz com Deus”. Será?

Jejum de carne, banquete de contradições

Esse texto não é um ataque à fé. Pelo contrário. É um convite à fé pensada, à fé vivida, e não apenas performada. Se a Sexta-feira Santa é um momento de lembrança e respeito, que tal lembrar dos valores que Jesus pregava — como compaixão, perdão, humildade e justiça? Porque esses, sim, andam em falta.

Não há problema nenhum em seguir tradições religiosas. Mas há um enorme problema em transformar o sagrado em teatro, em rito automático, em aparência sem essência. Evitar a carne de boi ou frango não transforma ninguém em uma pessoa melhor — principalmente se, no mesmo dia, continua devorando o próximo com julgamentos, arrogância e falta de empatia.

Vale ressaltar que as opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do autor e não refletem, necessariamente, a posição da i7 Network. Sempre incentivamos a análise crítica e a busca por informações embasadas antes de formar qualquer opinião.