Não sou católico. Nunca fui. Mas não dá pra ignorar o peso que a Igreja Católica ainda tem no mundo — política, social e culturalmente. Quando um novo Papa é eleito, é impossível não prestar atenção. Ainda mais quando se trata do primeiro americano da história, vindo de um país majoritariamente protestante, e que assume sob o nome de Leão XIV.
Muito se fala que Robert Francis Prevost é um homem discreto, estudioso, equilibrado. Que tem perfil reformista e segue a linha de abertura deixada por Francisco. Mas, para mim, a pergunta central não é se ele é moderado, conservador ou progressista. A pergunta é: ele terá coragem de romper com a cultura do silêncio?
A piedade que protege os padres, não as vítimas
Porque por mais que a Igreja fale em caridade e fé, ela carrega uma mancha que não some — os incontáveis casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes, e o acobertamento sistemático de padres abusadores. E no caso de Leão XIV, esse tema não é só uma sombra do passado distante: em 2023, três mulheres o acusaram de ter sido omisso diante de abusos cometidos por padres no Peru, onde foi bispo por quase uma década.
Uma delas diz ter ligado pra ele em 2020. Ele só encaminhou o caso ao Vaticano dois anos depois. Dois anos. Enquanto isso, as vítimas seguiram convivendo com o trauma. E a Igreja, como sempre, com explicações técnicas. Que “seguiu os trâmites”. Que “agiu conforme as normas”. O problema é que o sofrimento humano não espera trâmite nenhum.
Não dá mais para aceitar um Papa que fala bonito e age devagar. Que prega misericórdia, mas hesita diante de injustiças internas. Que se diz servo de Deus, mas protege mais a reputação da instituição do que a vida das vítimas.
Liderar exige mais que rezar — exige coragem
Não acredito em salvação divina. Mas acredito em responsabilidade. E se Leão XIV quiser, de fato, ser um líder global — como todo Papa inevitavelmente é — vai precisar muito mais do que palavras suaves e uma imagem de homem equilibrado. Vai precisar bater de frente com a estrutura que mantém tudo isso funcionando. Vai precisar enfrentar o poder, inclusive dentro do Vaticano. Vai precisar fazer o que quase nenhum Papa fez de verdade: escolher o lado certo da história, mesmo que isso custe prestígio, apoio e conveniências.
Não sou católico. Mas sou cidadão. E sei que o mundo precisa de líderes que não mintam com calma. Que não encubram com gentileza. Que não se escondam atrás da fé enquanto falham com a humanidade.
Ainda é cedo pra saber quem será Leão XIV. Mas já passou da hora da Igreja Católica parar de fingir que está mudando e, enfim, mudar.
Vale ressaltar que as opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do autor e não refletem, necessariamente, a posição da i7 Network. Sempre incentivamos a análise crítica e a busca por informações embasadas antes de formar qualquer opinião.